16 de abr. de 2010

Respiração Artificial (os personagens do romance de Ricardo Piglia)


   O que me levou ao Respiração Artificial de Piglia ? Talvez o  caráter sedutor (?) de uma obra baseada em uma ditadura latino-americana. Talvez, tratando-se dessa ditadura, a expectativa de um tempo que transcorreria em suspenso,  acima (ou abaixo) do eixo da história - da mesma forma como flutuava no tempo o sanatório de Davosplatz na Montanha Mágica de Thomas Mann. Enfim, fui ao livro esperando o trágico retrato de um trágico período decapitado da história.
   Percebi, ao final, que o tema da ditadura na Argentina é o maestro invisível da trama nesta obra de Piglia. Quando não se escancara  a cara do fantasma o medo é mais forte e duradouro. Em O Beijo da Mulher Aranha de Manuel Puig, por exemplo, a presença de dois presos políticos que tratam abertamente da ditadura na prisão, nos leva a pensar nesses personagens como atores prontos a participar da história e talvez revertê-la quando soltos. Já em Respiração Artificial tem-se a impressão que seus personagens agem mais como traumatizados de guerra do que como soldados. Eles vagam, deslocam-se, criam exílios e tentam desesperadamente recontar a história da Argentina através da fundação de um cânone  da literatura  nacional, como tentativa de, ao menos, ponderarem racionalmente sobre as causas da barbárie do seu tempo.
  Como sublimação da falta que faz o que foi estilhaçado os personagens se lançam em projetos a primeira vista descabidos.  O narrador Emilio Renzi, por exemplo, impõe-se como tarefa acompanhar os deslocamentos do seu tio e historiador Marcelo Maggi. Este, tenta obsessivamente recontar a tragetória de Enrique Ossorio, ex-secretário particular e homem de confiança do presidente Rosas em 1837 e escolhe seu sobrinho para levar o projeto adiante. Emilio parte em busca dos papéis de Maggi e conhece o filósofo fracassado Tardewski, um polonês que foi aluno de Wittegestein em Cambridge e que passa agora seus dias lecionado filosofia para alunos de 2o. grau numa cidade do interior da Argentina.
   Porém, sendo presa do desenrolar dos longos períodos do romance, já com maior empatia pelos personagens, percebe-se com comoção, o quão importante são esses projetos "vazios". São a única tábua de salvação de suas vidas quase naufragadas. Associamos com nossa vida metropolitana e democrática, numa radicalização do desconforto do flanêur Baudelairiano, onde nos rodeiam milhares de pessoas e nossa solidão só faz aumentar, e temos a impressão que somos um pouco de cada um desses atores de Piglia - pedaços do Desencanto.
   Sendo assim, mais importante que falar abertamente nos torturados, desaparecidos e mortos pelo regime é detectar e narrar  magistralmente como Piglia nesse romance,  a vida desalentada, neurótica e vazia dos seus sobreviventes.  Porém, voltando a pergunta inicial: o que me levou então ao Respiração Artificial ? Respondo, tendo seus personagens como coro, que foi talvez a mesma ânsia por um projeto vazio - o de tentar entender a Barbárie.
                

Um comentário:

  1. Há realmente um desalento permeando os personagens, o livro, as ideias e os (não-)acontecimentos. Um livro interessante, sem dúvida.

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