Confesso que a temática essencialista de Murilo Mendes é o que mais abunda em seus livros de poemas e é o que menos me atrai em sua poética. O teor católico de salvação pela redenção dos que costuraram o estágio sombrio da humanidade e o limiar à eternidade Divina de onde chegará "o sopro do puro espírito" após o dilúvio, são linhas de força em Murilo Mendes. Chamo bem simplificadamente de uma das metades da arte de Murilo. A outra, a que me atrai, é a forma - um surrealismo encaixado (ou não) no modernismo brasileiro.
Pensando a forma em Murilo percebe-se nela a perfeita adequação dos temas relacionados a catástrofe da 2a. Guerra Mundial. O livro Poesia Liberdade cobre-se de luto, respiramos raramente entre os poemas tamanha a rarefação de situações de um lirismo mais acessível ou mais leve. Passei a procurar esses momentos de respiro entre a torrente de dissonâncias, sombras, corpos e realidade esfacelados.
Encontrei um momento em todo o Poesia Liberdade em que o poeta se desarma, deixa cair o escudo, a espada e os sons da hecatombe. É o momento doce do Poema da Tarde em que o poeta nota a sua esposa Maria da Saudade cantando "sem querer" entre os primeiros véus da noite. Foi maior meu impacto com a doçura desse poema entre o Poema Antecipado com suas "Harpas de Obuzes" e o Poema Extático com os versos "Vestir a couraça do céu / E caminhar vigilante / Mesmo na música".
E esse impacto com a pequena trégua do poeta da " missão" de vociferar e sentenciar a Barbárie é que me levou a construir esse poema-homenagem:
Murilo Tarde Saudade.
(À Poesia Liberdade de Murilo Mendes)
Em meio a dois movimentos contorcidos
Bartókianos uma gota de adágio:
O Poema da Tarde fala
De um homem amplo com dedos
Que são galhos e uma estrela
No horizonte do seu sangue
Em meio ao Poema Estático e ao Poema
Antecipado o Poema da Tarde alarga-
Se na folha harmonia Maria
Da Saudade com o hálito fino
De uma rosa branca, sem querer, a cantar.
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