O outono e suas intervenções cirúrgicas no plano da manhã: as quaresmeiras com seus súbitos buquês roxos e o toque de brisa gelada, sem alarde, no dorso do calor que ainda se arrasta do verão. Outono, fugitivo do inferno da libido e mártir com as mãos estendidas ao inverno, ao descanso, à descida ao íntimo de pedra de cada um, ao sumiço momentâneo dos que se deitam com as tardes cinzentas e acordam sobre a lápide de uma noite gelada - sem membros, coração, só a redentora consciência da perda.
Outono, cantasse como Apollinaire e eu cantaria assim:
Outono doente.
Outono doente e adorado
Morrerá quando a tempestade soprar nos rosais
Quando tiver nevado
Nos pomares
Pobre outono
Morte em alvura e riqueza
Da neve e das frutas maduras
Ao fundo do céu
As corujas planam
Sobre pequenas sereias bonitas de cabelos verdes
Que nunca amaram
E das fronteiras fugazes
Os cervos bramaram
Como eu lhe amo oh estação como amo seus rumores
As frutas caem sem que as colham
O vento e a floresta choram
Todas as lágrimas de outono, folha a folha
As folhas
Que enlouquecem
Um trem
Que passa
A vida
Que se escoa.
(Tradução: Marcelo S. Teodoro, 03/2010)
Automne malade
Automne malade et adoré
Tu mourras quand l'ouragan soufflera dans les roseraies
Quand il aura neigé
Dans les vergers
Pauvre automne
Meurs en blancheur et en richesse
De neige et de fruits mûrs
Au fond du ciel
Des éperviers planent
Sur les nixes nicettes aux cheveux verts et naines
Qui n'ont jamais aimé
Aux lisières lointaines
Les cerfs ont bramé
Et que j'aime ô saison que j'aime tes rumeurs
Les fruits tombant sans qu'on les cueille
Le vent et la forêt qui pleurent
Toutes leurs larmes en automne feuille à feuille
Les feuilles
Qu'on foule
Un train
Qui roule
La vie
S'écoule
(G. Apollinaire, "Alcools" Éditions Gallimard, 1920)
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