(Talvez um futuro conto).
“Quero dizer que, na realidade, é fato que nunca acontece nada conosco. Todos os acontecimentos que podemos contar sobre nós mesmos não passam de manias”.
Ricardo Piglia
Sempre temi situações claustrofóbicas, mas agora é normal. Tudo agora é normal. Estou no pequeno hall entre a porta do meu apartamento – ouço X pigarreando segundos após nos despedirmos (estamos lado a lado e ela já é alguém completamente sozinha caminhando compassada até a sala, suspirando, reparando nas manchas das paredes) – e o elevador. A minuteira liga (ela diz, olha, aproveita esse tempinho de luz, seu infeliz !), desliga e a escuridão é ferida somente pelas soleiras das portas que escoam uma fina lâmina da claridade da manhã – claridade já filtrada pelas janelas, pelos ambientes das salas e o choque frontal na escuridão das portas de madeira (claridade opaca...vida opaca). Os elevadores trabalham freneticamente nesse horário, as manhãs das terças-feiras são construídas no tempo escasso, e é esse o horário que devo sair, uma convicção irredutível – sair às 08:15 hs. Ouço os elevadores grunindo e penso na histeria do casal que ontem assustou quando seu filho que recém começou a caminhar (o gramado do parque estava molhado daquelas chuvas que caem a tardinha misturadas ao sol e que obrigam os vendedores ambulantes a recolherem suas tábuas e lonas gastas e, junto com os passantes pegos desprevenidos, refugiarem-se embaixo das marquises ou toldos das lojas, sempre sob os olhares nervosos e amesquinhados dos proprietários; ela apareceu molhada de chuva e da luz da tarde) disparou em direção a rua em frente ao condomínio. A escuridão do hall é ladeada por quatro pequenas lâminas cintilantes no nível do chão e duas portas frontais que guardam dois elevadores frenéticos que passam pelo meu andar cheios de vozes que vão se estinguindo rumo ao andar térreo. A saída de emergência com o acesso à escada está trancada. Vou movimentando meu braço esquerdo por diversas vezes para que a minuteira religue (Aproveita essa luzinha seu filho da puta !), como um reflexo doentio, como um trauma de guerra.
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