25 de mai. de 2010

Andar em círculos.

   Naquela época, qualquer estado de opressão na alma se resolvia com um projeto non-sense: há 10 anos atrás eu, que não sabia espanhol, resolvi em uma das perambulações pela biblioteca do Centro Cultural de São Paulo, traduzir Octavio Paz. O livro Libertad bajo palavra (1935-1957), virou idéia-fixa. Porém - como traduzir ?, para quê ?, para quem? Os seus versos...O fato era que eu queria reescrevê-los, como se assim me apropriasse deles, como se fossem meus. Por um grande problema (que uns chamam desleixo) perdi o caderno no qual fizera uma tradução corrida, não revisada, com fome. Queria mesmo era vê-los sob a minha grafia, o mais rápido possível.
   Sábado passado, na penumbra de um sebo no centro da cidade, me deparei com um exemplar de Libertad bajo palavra. da Biblioteca Atual, impresso na Argentina. Só foi folheá-lo e ver os títulos do poemas que me lembrei daquelas tardes no CCSP quando tentava achar abrigo dentro daquele livro de capa marrom e versos solares. Ontem terminei o primeiro poema de La Estacion Violenta (1948-1957), última parte do livro. Assim volto ao antigo projeto non-sense e me provo que na verdade ando em círculos.


Hino entre ruínas.
Donde espumoso el mar siciliano...
Góngora.

Coroado de si o dia lança suas plumas.
Alto grito amarelo,
cálido pulso no centro de um céu
imparcial e benéfico !
As aparências são belas nesta sua verdade momentânea.
O mar escala a costa,
cose entre o rochedo, aranha deslumbrante;
a ferida opala do monte resplandece;
um punhado de cabras é um rebanho de pedras;
o sol põe seu ovo de ouro e se derrama sobre o mar.
Tudo é deus.
Estátua árida,
colunas comidas pela luz,
ruínas vivas em um mundo de mortos em vida !

Cai a noite sobre Teotihuacán.
No alto da pirâmide os rapazes fumam marihuana,
soam guitarras roucas.
Qual erva, qual água da vida há de darnos a vida,
de onde desenterrar a palavra,
a proporção que rege o hino e o discurso,
o baile, a cidade e a balança?
O canto mexicano estala sob nada,
estrela colorida que se apaga,
pedra que nos fecha as portas do contato.
Conhece da terra a terra envelhecida.

Os olhos vêem, as mãos tocam.
Bastam aqui algumas coisas:
Figos-de-Tuna, espinhoso planeta coral,
encapuzados,
uvas da ressurreição,
ostras, virgindades ariscas,
sal, queijo, vinho, pão solar.
Do alto de sua pele morena uma nativa me olha,
esbelta catedral vestida de luz.
Torres de sal, contra os verdes pinhais da costa
surgem as velas brancas dos barcos.
A luz erige templos no mar.

Nova Iorque, Londres, Moscou.
A sombra cobre o planalto com sua hidra fantasma
com sua vacilante vegetação de calafrios,
sua penugem rala, seu tropel de ratos.
Nas frestas tirita um sol anêmico.
Escorado em monturos que ontem foram cidades, Polifemo boceja.
Abaixo, entre os buracos, se arrasta um rebanho de homens.
(Bípedes domésticos, sua carne
- apesar de recentes interdições religiosas -
é muito apreciada pelos endinheirados.
Há pouco tempo o vulgo os considerava animais impuros.)

Ver, tocar belas formas, diárias.
Murmura a luz, dardos e asas.
Gela o sangue a mancha de vinho na mesa.
Como o coral com seus ramos na água
estendo meus sentidos na hora viva:
o instante se cumpre em uma concordância amarela,
oh, meio-dia, espiga inflada de minutos,
copa de eternidade!

Meus pensamentos se bifurcam, serpenteam, se enredam,
recomeçam,
e ao fim se imobilizam, rios que não desembocam,
delta de sangue sob um sol sem crepúsculo.
Tudo deve findar neste mover de águas mortas?

Dia, redondo dia,
luminosa laranja de vinte e quatro galhos,
todos trespassados por uma mesma e amarela doçura !
A inteligência ao fim encarna,
se reconciliam as duas metades inimigas
e a conciência-espelho se liquefaz,
volta a ser fonte, manancial de fábulas:
Homem, árvore de imagens,
palavras que são flores que são frutos que são atos.
(Nápoles, 1948.)


Himno entre ruinas.
Coronado de sí el día extiende sus plumas.

Alto grito amarillo,
caliente surtidor en el centro de un cielo
imparcial y benéfico!
Las apariencias son hermosas en esta su verdad momentánea.
El mar trepa la costa,
se afianza entre las peñas, araña deslumbrante;
la herida cárdena del monte resplandece;
un puñado de cabras es un rebaño de piedras;
el sol pone su huevo de oro y se derrama sobre el mar.
Todo es dios.
¡Estatua rota,
columnas comidas por la luz,
ruinas vivas en un mundo de muertos en vida!

Cae la noche sobre Teotihuacán.
En lo alto de la pirámide los muchachos fuman marihuana,
suenan guitarras roncas.
¿Qué yerba, qué agua de vida ha de darnos la vida,
dónde desenterrar la palabra,
la proporción que rige al himno y al discurso,
al baile, a la ciudad y a la balanza?
El canto mexicano estalla en un carajo,
estrella de colores que se apaga,
piedra que nos cierra las puertas del contacto.
Sabe la tierra a tierra envejecida


Los ojos ven, las manos tocan.
Bastan aquí unas cuantas cosas:
tuna, espinoso planeta coral,
higos encapuchados,
uvas con gusto a resurrección,
almejas, virginidades ariscas,
al, queso, vino, pan solar.
Desde lo alto de su morenía una isleña me mira,
esbelta catedral vestida de luz.
Torres de sal, contra los pinos verdes de la orilla
urgen las velas blancas de las barcas.
La luz crea templos en el mar.


Nueva York, Londres, Moscú.
La sombra cubre al llano con su yedra fantasma,
con su vacilante vegetación de escalofrío,
su vello ralo, su tropel de ratas.
A trechos tirita un sol anémico.
Acodado en montes que ayer fueron ciudades, Polifemo bosteza.
Abajo, entre los hoyos, se arrastra un rebaño de hombres.
(Bípedos domésticos, su carne
-a pesar de recientes interdicciones religiosas-
es muy gustada por las clases ricas.
Hasta hace poco el vulgo los consideraba animales impuros.)

Ver, tocar formas hermosas, diarias.
Zumba la luz, dardos y alas.
Huele a sangre la mancha de vino en el mantel.
Como el coral sus ramas en el agua
extiendo mis sentidos en la hora viva:
el instante se cumple en una concordancia amarilla,
¡oh mediodía, espiga henchida de minutos,
copa de eternidad!


Mis pensamientos se bifurcan, serpean, se enredan,
recomienzan,
y al fin se inmovilizan, ríos que no desembocan,
delta de sangre bajo un sol sin crepúsculo.
¿Y todo ha de parar en este chapoteo de aguas muertas?


¡Día, redondo día,
luminosa naranja de veinticuatro gajos,
todos atravesados por una misma y amarilla dulzura!
La inteligencia al fin encarna,
se reconcilian las dos mitades enemigas
y la conciencia-espejo se licúa,
vuelve a ser fuente, manantial de fábulas:
Hombre, árbol de imágenes,
palabras que son flores que son frutos que son actos.

2 comentários:

  1. Marcelo,

    Lendo suas palavras não consegui conter-me e algumas lágrimas correram por meu rosto... Não por ser um texto triste ou melancólico, mas por me transportar vinte anos em um flashback cheio de alegrias e momentos bons... São mais ou menos vinte anos que separam nossa penúltima conversa no colégio técnico... E quantas coisas e pessoas passaram por minha vida nesses anos, quantas palavras foram ditas e por vezes me calei... Mas nesse momento, o que tenho e devo dizer é obrigado por tais palavras (mesmo que a intenção não tenha sido essa) por me transportar vinte anos e poder lembrar com saudades das conversas com o Mozart Marin, Marcos Ferreira, Fábio Veloso, Marcelo Saldanha e por que não dizer com a Alessandra...
    Grande Abraço e Continue escrevendo e alimentando nossas almas!
    André Luis Gomes Duarte

    ResponderExcluir
  2. Que bela surpresa encontrar um comentário seu aqui ! É isso aí André, me lembro que naquela época você já gostava de poesia... esse vírus me pegou de vez uns dois anos depois. Não sei se por um efeito da idade ando muito nostálgico também... músicas, rostos, cheiros, o que me traz essas épocas de volta acaba me levando da época atual, momentaneamente.
    Abraços.

    ResponderExcluir