14 de mai. de 2010

A Morte de Ivan Ilitch (Leon Tolstói)




    A novela de Leon Tolstói A morte de Ivan Ilitch foi por diversas vezes exaltada como uma obra-prima da literatura russa. Após conhecê-la penso que a fama se deva sobretudo a sua construção narrativa, sua objetividade e a calibragem do tempo narrativo conforme o efeito que se queira dar ao drama do personagem principal.
   Tudo inicia-se já pelo fato consumado, ou seja, do velório de Ivan Ilitch. O que veremos após é um relato suscinto, econômico e, não obstante, riquíssimo da vida de Ivan Ilitch até o acometimento do mal que desencadeará a sua morte. Aí, nessa altura, o tempo narrativo até então acelerado ao tratar objetivamente da vida normal do bom burguês - estudo, ascensão na carreira e casamento -  é refreado, desacelerado:  uma dor latente na região do apêndice,  não desvendada por parte dos médicos que o assistem, leva Ivan Ilitch a um estado vegetativo auto-imposto.
   A narrativa assume então a lenta perspectiva da dor, mais ainda,  da angústia pelo desconhecimento da raíz do problema por parte dos médicos e do próprio Ivan,  o que para ele é torturante: um alto magistrado para quem nada deveria ficar obscuro, agora se vê "carregando" uma dor misteriosa, que vai ditando como quer que ele viva (e não ao contrário, quando ele deveria, como sempre,  tomar as rédeas ). Agora o tempo narrativo torna-se circular, taciturno e carregado com as cismas e indagações de Ivan: perplexo por estar doente, injustiçado por achar que não merece a doença já que sempre contou em sua vida com a lisura, o respeito e o discernimento da lei. Enfim, o mundo de causa e efeito de Ivan Ilitch desabara a partir da sua indefinível dor crônica.
   A certeza da morte toma conta do personagem e, junto com ela um certo caminho de iluminação. Iluminação não cristã mas algo surpreendentemente humano: o arrependimento de não ter conduzido sua vida de outra forma. Seus valores de lei e ordem não foram decididamente suficientes para que pudesse, agora sabe, considerar como "vida" aquilo que havia vivido. É terrivel quando, já iluminado por sua Verdade, ele chama a vida que levou de "morte":  "A morte está acabada, não existe mais..." , diz no instante em que deixa de respirar.
                                                                            

      

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