1 de mai. de 2010

As tréguas de Mário Benedetti e Álvaro Mutis. (Literatura Comparada)

   


   Lendo duas novelas (gênero intermediário entre o conto e o romance) hispano-americanas escolhidas ao acaso - pois ainda não conhecia as obras de Mário Benedetti e Álvaro Mutis, respectivamente La Tregua e La última escala del Stramp Steamer,  a primeira publicada no Uruguai em 1959 e a segunda na Colômbia em 1988 - pude notar a coincidência de elas se relacionarem em um tema principal: o efeito de suspensão e queda de uma existência transtornada por uma paixão. Ambos os personagens, tanto o funcionário contabilista Martín Santomé no caso de La Tregua  quanto o capitão marinheiro basco Jon Iturri no caso da novela colombiana experimentam uma suspensão arrebatadora de suas vidas opacas voltadas ao trabalho, passam a amar uma mulher investindo tudo nesse amor para, após um curto período, decaírem com vazio da perda em uma continuação angustiada de suas existências
   La tregua foi escrita sob forma de um diário onde o funcionário, na verdade um chefe do setor de contabilidade de uma empresa uruguaia, coloca suas impressões sobre o seu dia a dia arrastado no trabalho às voltas com sua aposentadoria e em casa junto aos seus três filhos e o peso da falta de comunicação entre todos. Enfim, a vida cinzenta de um quase aposentado no trabalho e de um viúvo e alienado da vida dos filhos em casa. Martín Santomé recebe uma funcionária nova em seu setor e passa a viver o aprendizado de relacionar-se com uma mulher vários anos mais nova que ele. Ela traz de volta sensações até então esquecidas como o sexo com amor, o ciúme e a troca de ideias sobre impressões da vida em geral. Ou seja, Avallaneda colore a vida de Martín. Porém, tão logo tudo parece se encaminhar para a vida em comum, após sucessivas faltas de sua amante e funcionária e uma ligação telefônica, Martin fica sabendo - como chefe - que Avallaneda faleceu após uma forte gripe. Assim, após a trégua de ter a sua vida colorida e de poder ter amado como amou, tudo voltou a ser opaco, até pior do que antes: "E evidente que Deus me concedeu um destino escuro. Nem sequer cruel. Simplesmente escuro. É evidente que me concedeu uma trégua. (...) Agora estou outra vez metido em meu destino. E é mais escuro do que antes, muito mais.". Após o fim da "trégua" Martín decide parar de registrar seu diário como se isso fosse uma metáfora de uma vida agora sem interesse, uma vida-quase-morte.
   Em La última escala del Stramp Steamer, o capitão Jomn Iturri também havia decidido, já com seus cinquenta anos de idade, não mais apaixonar-se e quando menos espera, vê-se envolvido com Warda, a proprietária de uma embarcação decadente, um stamp steamer, cargueiro independente que realiza pequenos expedientes entre diferentes portos internacionais. Esse cargueiro em decadência prefigura a fugacidade da paixão entre Iturri e Warda: o stamp steamer Alción termina em frangalhos naufragando num ponto qualquer do pacífico, assim como Iturri que vê Warda deixá-lo para retornar as suas raízes no Oriente Médio junto aos seus pais e irmãos. Iturri termina com a declaração: " (...) cumpro como um autômato a tarefa de ir vivendo. Deixo que as coisas aconteçam ao seu capricho e não procuro consolo ou alívio. Ela (Warda) era uma aparição inconcebível, só conhecendo-a você poderia entender a desmesurada fortuna que foi estar ao seu lado e a tortura inaudita que tem sido perdê-la.
   Ambos, Martin e Iturri, mesma faixa etária, mesma opacidade e descrença em relação à vida, experimentam o curto período de um amor, colorem suas vidas e vivem num estado de suspensão apaixonada,  perdem suas amadas e caem em uma vida-quase-morte, pior do que a que antes levavam. Enfim, um eixo de ligação entre essas obras escritas em um intervalo de 30 anos, e que compõem a novelística hispano-americana.    
          

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